Tertúlias Tauromáquicas e Clubes Taurinos


O AFICIONADO

Jorge Carvalho
Aficionado

O conceito de aficionado não se restringe à tauromaquia, remetendo-nos para um significado mais amplo de entusiasmo por uma atividade, sobretudo cultural ou desportiva. Mas o dicionário online da Porto Editora – Infopédia – já nos dá, como primeira entrada, o aficionado como “pessoa que aprecia certos espetáculos, nomeadamente corridas de touros”. A simplicidade desta definição, porém, não é precisa ou rigorosa.

Enquanto em Espanha se mantém a abrangência do conceito de aficionado gerando-se por vezes equívocos, em Portugal o aficionado está, de facto, exclusivamente associado à tauromaquia. Porém, apesar dessa generalização, o aficionado não está na mesma categoria do público, não é um mero apreciador. Ele é, mais do que um público especializado, o pensamento e a fruição crítica na tauromaquia.

Com a escassez de interesse científico da academia, ao longo dos séculos, pela tauromaquia, o aficionado assumiu sempre o papel de mediador de todo o conhecimento da atividade tauromáquica e da crítica necessária para a formalização solene dos rituais taurinos, da sua interpretação e da sua fruição. Se o público em geral pode ser um mero espectador, que se entretém com o momento, o aficionado não se limita ao entretenimento, sendo parte integrante de um processo ritual.

Detenhamo-nos na história por breves momentos. Para se compreender o conceito de aficionado é necessário compreender a diversidade da tauromaquia no tempo e no espaço. O aficionado é o resultado de séculos de transformação e evolução dentro da própria tauromaquia, desde a natureza de cada atividade (formal ou informal, popular ou institucional), passando pelos vários subtipos de tauromaquia: corridas de toiros clássicas (com picadores e a sorte suprema – a morte do toiro), corrida de toiros à portuguesa (com cavaleiros e forcados), tauromaquia popular e a institucionalização mais recente da tauromaquia popular – os recortadores. Há, ainda, uma diferença clássica estabelecida entre o aficionado toirista (aquele que dedica a sua atenção principal ao toiro) e o aficionado toureirista (aquele que dedica a sua atenção principal ao toureio). Dentro desta diversidade, o aficionado pode ser mais ou menos conservador, mais ou menos tolerante às transformações, mais ou menos permeável a incluir outras tauromaquias no seu discurso crítico.

O aficionado toirista encontra no toiro o único elemento relevante para analisar e avaliar a qualidade da corrida. A sua crítica centra-se nas características do toiro (trapio, bravura), no encaste, no tipo da ganadaria (o padrão) e só depois, em última análise, na capacidade de resposta do Matador de Toiros ou do Cavaleiro. Esta relação entre o aficionado e o toiro, entendida como purista, acaba por ter mais impacto na diferença entre as praças e coloca o toureiro numa posição secundária, obrigando-o à superação extraordinária do seu desempenho. O toirista é, por conseguinte, um aficionado de uma exigência mais intransigente e transversal a todas as formas de tauromaquia. É ele que representa a ética da criação do toiro de lide em praça de toiros.

O toureirista, por seu lado, tem uma afición mais dirigida para as ferramentas da lide, da relação entre o toureiro, enquanto figura, e o toiro, enquanto adversidade para o triunfo. O toureirista analisa e avalia os argumentos do toureiro, a fluência do toureio, observando cada momento e cada gesto do toureiro como um frame de filme. O toureirismo vai, também, criar uma nova clivagem, uma maior (mas não tão profunda) divisão entre entusiastas de diferentes toureiros. Esta clivagem acentua-se sempre que, numa determinada época, há vários tipos de tauromaquia dentro de um subtipo. Por exemplo, se no subtipo “toureio a pé” temos um protagonista que dá mais relevo à plasticidade do seu toureio e um outro que dá mais valor ao tremendismo (a colocação consciente da vida num risco desnecessário ou evitável), a rivalidade cresce por disputas no território conceptual: a verdade do toureio. Porém, o aficionado (sentido amplo) com mais conhecimento e consciência histórica, não se demora nestas pequenas disputas. Ele sabe que a diversidade é a garantia da sobrevivência.

Temos, assim, uma pluralidade de aficionados dentro de uma pluralidade de tauromaquias (ou de subtipos de tauromaquia), onde o aficionado preserva o traço comum do desenvolvimento de um conhecimento especializado. A sua concentração no momento cerimonial, o seu silêncio, não são um mero ato de respeito, mas a necessidade de observar, analisar e refletir, sem a reação espontânea de um olho menos treinado e sem o enquadramento histórico. O aficionado transporta consigo a responsabilidade da crítica, que contribui para a evolução e para consolidação cultural da identidade. E é a isso que se deve a sua intransigência.

Porém, esta diversidade não assume as mesmas características no espaço. Seja de país para país, de cidade para cidade ou de praça de toiros para praça de toiros, a afición assume formas com características peculiares, resultado de séculos de acontecimentos que foram moldando as circunstâncias de cada lugar. Se olharmos para o comportamento em praça dos aficionados, verificaremos que a sua disponibilidade para certas tauromaquias varia. As praças de toiros são, aliás, conhecidas pelo seu “tipo de público”, que está diretamente relacionado com o tipo de tauromaquia. Esse tipo de tauromaquia cria uma dinâmica própria que se reflete até na estética dos festejos e na programação paralela às grandes feiras e corridas.

Ressaltam três exemplos inequívocos, em três países diferentes. Em Espanha, a praça de toiros de Las Ventas tem um público exigente, que antes de os cartéis serem montados, já condicionou a escolha das próprias ganadarias no programa, as quais, por norma, correspondem àquilo que conhecemos vulgarmente por “ganadarias duras”. O grau de intransigência é tal que em Las Ventas é conhecido um setor de aficionados mais ortodoxos – o setor 7 – pouco permissivo a certos maneirismos dos toureiros e à “falta de poder” revelado pelos toiros. Em Sevilha, na Real Maestranza, o público é conhecido por apreciar toureiros de recorte fino, toiros mais pequenos e de encaste mais “toureável” (um conceito subjetivo); privilegia-se o silêncio sobre a indignação constante. O aficionado que frequenta ambas as praças, facilmente se deixará seduzir pela identidade de cada uma, compreendendo que ali não conta a sua própria tauromaquia, mas a tauromaquia coletiva.

Num outro exemplo, em Portugal, há diferenças significativas entre o aficionado alentejano e o aficionado ribatejano. A condição e a geografia dessa afición são flagrantes na determinação das suas preferências e até na dimensão das suas corridas. Fatores como o tipo de propriedade onde se cria o gado bravo, o ecossistema envolvente, a comunidade, o tipo de relação social entre ganadeiros, aficionados, campinos e toureiros, as atividades paralelas e subsidiárias, as distâncias entre os vários lugares da sociedade, determinam uma afición mais ou menos reservada.

Já em França, apesar de a tauromaquia se realizar em menos recintos do que nos dois exemplos anteriores, a afición é mais toirista do que em Espanha ou Portugal e, mesmo assim, o seu nível de exigência não atinge a intransigência de Las Ventas. O facto de França não ter, historicamente, profissionais a impor-se a si e ao seu estilo poderá, também, ter impacto na preferência dos aficionados pelo comportamento do toiro em praça.

As geografias também condicionam grandes diferenças de classe entre aficionados. Se no caso do Alentejo e do Ribatejo se torna mais evidente uma diferença regional, o tipo da tauromaquia popular é também um sinal das grandes diferenças entre aficionados. Poderíamos voltar a Madrid ou Sevilha e demonstrar que a expressão da tauromaquia das ruas é inexpressiva, enquanto em Pamplona ou Ciudad Rodrigo, os aficionados “mandam”, manifestando-se até dentro da praça de toiros. O mesmo contraste existe entre a Palha Blanco de Vila Franca de Xira e o Campo Pequeno, em Lisboa. A relação entre os aficionados e o campo tem, aqui, um papel central. Poderíamos dizer que a primeira é uma praça de aficionados, enquanto a segunda é uma praça com um público mais generalizado.

Esta diversidade, que revela grandes pormenores históricos, culturais e sociais, provoca um conjunto de conflitos e contradições dentro do próprio aficionado, que só o estabelecimento de regras e alguma dogmática ajudam a ultrapassar.

Como em toda a tauromaquia, o aficionado constrói-se no dilema entre a ética e a estética. Resistindo à facilidade da prevalência estética, à aparência da tauromaquia, ele discute e critica para manter o equilíbrio num universo onde o público geral tem um peso quantitativo muito maior do que aquele que poderemos considerar aficionado. O mero entretenimento, que também traz alegria e euforia à Festa dos Toiros, foi sempre a imagem que tornou possível a ampliação do fenómeno tauromáquico. Mas quando a estética se sobrepõe à ética, a passagem do conhecimento e da evolução histórica das práticas e rituais dilui-se. O papel do aficionado é, no mínimo, atrasar este processo de expansionismo e de mercadorização. Deste modo, podemos assumir que o aficionado é sempre conservador, mesmo que seja mais tolerante entre os seus pares.

A disputa de território com o público geral, para o aficionado, faz-se dentro da Praça de Toiros, quando impõe o silêncio, contra aplausos folclóricos e os pedidos incessantes de música, ou quando é elogioso com detalhes quase invisíveis. Mas a massificação da tauromaquia implicará (como já acontece) uma relação de oferta e procura, não entre as empresas promotoras de corridas de toiros e os aficionados, mas entre as empresas e o público geral. Essa perda de relevância do aficionado, a médio prazo, pode resultar no declínio de certas práticas nas corridas de toiros, como já aconteceu antes.

Até agora, concentrámo-nos na relação histórica da afición com as práticas, rituais e circunstâncias taurinas. Existem, porém, mais dois lugares onde o aficionado se manifesta: o campo e a tertúlia (a variante portuguesa da peña taurina). Estes são os lugares de sociedade do aficionado.

Se começarmos pela génese da tauromaquia – o campo – encontraremos o aficionado na sua posição de convidado. As ganadarias são lugares reservados, propriedade de particulares, onde há uma seleção rigorosa dos convidados. Porém, a presença do aficionado é uma garantia de fidelização, de criação de embaixadores da própria ganadaria e da sua defesa, seja na praça pública, seja na praça de toiros. A relação dos aficionados com o campo tem-se estreitado, depois de algumas décadas de afastamento, talvez em consequência da desvalorização económica do setor primário. Hoje, com o crescimento das oportunidades de negócio promovidas pelo setor do Turismo, as ganadarias abriram as suas portas, proporcionando uma mudança nas possibilidades de acesso ao campo bravo. Porém, a relação com as tentas, com os campinos, com os próprios ganadeiros e com outros sujeitos da elite tauromáquica continua reservada a alguns, poucos, aficionados.

Essa reserva de propriedade do ganadeiro terá o seu reflexo nos lugares mais urbanizados, onde os aficionados se reúnem em grupos de poucas dimensões, também eles reservados. A essas reuniões, ainda no séc. XIX, chamaram-se “Tertúlias Tauromáquicas” e já no séc. XX ganharam notoriedade. Em Lisboa, por exemplo, o Real Clube Tauromáquico e o Sector 1 foram, durante algumas décadas, dos grupos mais críticos da sociedade tauromáquica. Também em Vila Franca de Xira, ainda na primeira metade do séc. XX, nascem algumas tertúlias. Mas é no final dos anos 1960, do mesmo século, que se vão popularizar e alargar o seu conceito. Apesar de a atividade tertuliana merecer um capítulo diferente, não podemos deixar de notar, aqui, a sua evolução ao longo de todo o séc. XX, de espaços mais elitistas para lugares mais abertos e festivos. Este modelo popular das tertúlias foi replicado por outras cidades ribatejanas e não só. Em Vila Franca de Xira, este movimento já havia resultado, no início dos anos 1980, na criação do Clube Taurino Vilafranquense, fundado por 15 aficionados e 15 bandarilheiros. Exatamente 30 anos depois, as tertúlias associaram-se numa nova organização coletiva – a atual Associação de Tertúlias Tauromáquicas do Concelho de Vila Franca de Xira - que as representasse junto de outras entidades, privadas e públicas, assumindo o seu papel participativo na vida da comunidade, nas suas opções e na salvaguarda do seu património cultural. Este movimento associativo, que em locais diferentes e de formas diversas foi sendo replicado, cresceu e deu origem a uma associação nacional, com tertúlias e grupos de aficionados espalhados por Portugal continental e Açores.

A diversidade no entendimento do conceito de tertúlia demonstra não só a democratização da afición, como também as várias relações que o público tem com a festa. Por isso, é tão fundamental estabelecer a diferença entre público e aficionados, como temos vindo a fazer. Necessitamos, porém, de um último tipo de aficionados para completar um pouco mais esta definição – os aficionados práticos.

Insatisfeito com a sua afición passiva, o aficionado prático é aquele que se arrisca diante das reses bravas. Seja por impulso (resultado do seu processo de cultivação), seja por mimetismo, o aficionado prático – um aficionado de campo – experimenta fisicamente a sua tauromaquia, explorando e tentando bezerras, vacas bravas, novilhos e até mesmo toiros em espaços mais reservados, como as ganadarias ou pequenos tentadeiros mais privados. Essa experiência possibilita ao aficionado uma leitura mais esclarecida do comportamento do animal e do seu próprio comportamento, das limitações do seu corpo, da sua mente e, claro, da sua criatividade.

Não havendo uma hierarquia formal na afición, há uma seleção social onde se manifesta um comportamento de nicho cultural. Mas apesar desta manifestação de elitismo, os aficionados não deixam de ir libertando informação sensível que não estava no conhecimento público. São eles os mensageiros dessa informação. A esse meio (social) chama-se mentidero. Apesar da sua conotação negativa, o mentidero representa um dos instrumentos fundamentais para a manutenção do status do aficionado. Só essa manutenção de status permite que a credibilidade da crítica tenha impacto na forma como se desenvolve toda a atividade tauromáquica. “O que se diz nos mentideros” é, por isso, uma forma eficaz de auscultar o acolhimento de certas opções pelos aficionados.

Se existe algum sujeito na Festa Brava que mereça o epíteto de “último romântico da Festa”, como foi atribuído a tantos protagonistas tauromáquicos, esse sujeito é o aficionado. É nele que está depositada a herança maior da tauromaquia, o seu maior património, que são a memória e a tradição oral. É dentro destes dois elementos que se parte para novas formas de observar e identificar aquilo que faz evoluir a tauromaquia, dentro de um quadro teórico informal e de regras que sustentam uma certa uniformidade na identidade cultural.



De modo geral, uma tertúlia define, segundo o dicionário da língua portuguesa, uma reunião familiar; uma reunião entre pessoas com interesses em comum; ou, ainda, uma reunião habitual de intelectuais para troca de ideias sobre vários temas. Neste contexto, o significado que melhor se enquadra é a reunião entre pessoas com interesses em comum, uma vez que nestes espaços e nestas reuniões todos partilham o gosto pelos toiros, nas suas diversas expressões.

A criação ou organização de tertúlias tauromáquicas e/ou clubes taurinos são uma das expressões mais características da Tauromaquia em Portugal.


TERTÚLIAS TAUROMÁQUICAS E CLUBES TAURINOS POR CONCELHO:


Tertúlias do Concelho de Alcobaça

Tertúlias do Concelho de Alcochete

Tertúlias do Concelho de Alenquer

Tertúlias do Concelho de Almeirim

Tertúlias do Concelho de Alter do Chão

Tertúlias do Concelho de Angra do Heroísmo

Tertúlias do Concelho de Arruda dos Vinhos

Tertúlias do Concelho de Azambuja

Tertúlias do Concelho de Beja

Tertúlias do Concelho de Benavente

Tertúlias do Concelho de Caldas da Rainha

Tertúlias do Concelho do Cartaxo

Tertúlias do Concelho da Chamusca

Tertúlias do Concelho de Coimbra

Tertúlias do Concelho de Coruche

Tertúlias do Concelho de Cuba

Tertúlias do Concelho do Entroncamento

Tertúlias do Concelho de Estremoz

Tertúlias do Concelho de Évora

Tertúlias do Concelho da Golegã

Tertúlias do Concelho de Lisboa

Tertúlias do Concelho de Mafra

Tertúlias do Concelho de Matosinhos

Tertúlias do Concelho da Moita

Tertúlias do Concelho de Montemor-o-Novo

Tertúlias do Concelho do Montijo

Tertúlias do Concelho da Nazaré

Tertúlias do Concelho de Óbidos

Tertúlias do Concelho de Palmela

Tertúlias do Concelho de Pombal

Tertúlias do Concelho de Portalegre

Tertúlias do Concelho da Póvoa de Varzim

Tertúlias do Concelho da Praia da Vitória

Tertúlias do Concelho de Reguengos de Monsaraz

Tertúlias do Concelho de Rio Maior

Tertúlias do Concelho de Salvaterra de Magos

Tertúlias do Concelho de Santarém

Tertúlias do Concelho de São Roque do Pico

Tertúlias do Concelho de Setúbal

Tertúlias do Concelho de Sintra

Tertúlias do Concelho de Sobral de Monte Agraço

Tertúlias do Concelho de Sousel

Tertúlias do Concelho de Tomar

Tertúlias do Concelho de Velas

Tertúlias do Concelho de Viana do Alentejo

Tertúlias do Concelho de Viana do Castelo

Tertúlias do Concelho de Vila Franca de Xira

Tertúlias do Concelho de Vila Viçosa

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